Apesar do sucesso obtido em eventos mundiais que o tornaram, mais uma vez, campeão mundial, desta vez absoluto, Nicholas Meregali continua sendo aquele menino, natural de Santo Antônio da Patrulha, de gestos simples, não esquecendo a terra onde nasceu, nem o interesse em falar para a FOLHA PATRULHENSE, que foi encontrá-lo, pelas mãos da irmã Maura, entre um voo e outro, pelos caminhos do mundo, mas sempre encontrando tempo para contar seus feitos à gente de sua terra.
A respeito de, se já conseguiu assimilar o título máximo conquistado, ele relata que “duas semanas antes de lutar o Mundial eu machuquei a minha costela, então a minha participação virou uma incógnita. Nada era mais difícil que o desafio de ficar sem treinar, tomar remédio 24 horas por dia e conviver com a incerteza de participar do evento. Eu precisava me manter confiante, continuar acreditando na vitória e, o mais difícil de tudo, portar-me como se nada tivesse acontecendo. Isso sim foi pesado. Eu acabei o campeonato completamente exausto, esgotado e enjoado de tanto brigar fisica e mentalmente contra a minha lesão. Foi uma insanidade sem tamanho. Eu fiz 5 lutas no sábado e o pouco de saúde física que eu tinha, foi se esvaindo com o decorrer do campeonato”.
O campeão relata que no domingo fez a sua semifinal da categoria super pesado na parte da manhã e como já estava debilitado das lutas de sábado, a sua costela acabou acavalando novamente.
“Eu tinha duas finais mundiais para realizar e qualquer movimento corporal era muito massacrante, mas eu tinha que lutar. Aquela era a situação que eu tinha. E o que foi que eu fiz? Eu lutei. Lutei com dor e muito enjoo, porque a dor era realmente absurda, mas eu lutei. Fiquei em segundo lugar na categoria peso super pesado e me tornei o campeão mundial absoluto, que é quando todos os atletas faixa-preta, independente do peso, disputam a maior premiação do planeta. Se eu assimilei isso? Talvez eu ainda esteja em um processo de colheita, se assim eu posso dizer. Vencer o Absoluto Mundial foi a realização de um sonho”.
MUITOS TÍTULOS
Nicholas participa de tantas lutas, que já perdeu a conta do número de títulos:
“Foram muitos e eu parei de contar depois do 100, mas eu posso citar os principais eventos que eu lutei e conquistei destaque. Na minha trajetória como faixa colorida, venci todas as maiores premiações do esporte e fui o melhor do mundo algumas vezes. Dos mais expressivos, fui primeiro colocado nos campeonatos Panamericano, Europeu, Sul-Americano, Brasileiro e Gaúcho também. Hoje eu sou faixa-preta e sou Bicampeão Mundial e Campeão Absoluto Mundial. Por diversas vezes eu fui apontado como o melhor faixa colorida do mundo e também como um dos maiores finalizadores da história, porque eu geralmente finalizo todos os meus oponentes em luta e essa é uma particularidade minha”.
O COMEÇO
A paixão pelo Jiu Jitsu começou quando Nicholas tinha 15 anos. “Comecei a treinar por causa do meu irmão, o Matheus, ainda em Santo Antônio. Naquela época eu treinava na academia do Jejeu, o Jeferson Adam, o meu primeiro sensei. Só que naquele tempo, treinar ainda não era a minha profissão. Quando eu comecei a participar de campeonatos e ter resultados, as coisas começaram a ficar um pouco diferentes. Nesse meio tempo terminei o ensino médio e cheguei a começar Engenharia Agroquímica na FURG. Aí tudo bagunçou, porque eu estava naquele meio de caminho entre cursar Engenharia ou seguir no Jiu Jitsu. Para piorar, fui para Abu Dhabi lutar e fiquei em terceiro lugar. Quando retornei ao Brasil, eu estava decidido que o mais certo a fazer era desistir e seguir com a Engenharia. Naquela época eu tinha uma visão limitada sobre as possibilidades e não acreditava muito no meu potencial. Só que foi nesse mesmo período que o professor Mário Reis, de Porto Alegre, me convidou para me mudar para a academia dele. E foi então que em setembro de 2013 eu tomei a decisão mais importante da minha vida: eu decidi viver de Jiu Jitsu e morar dentro de uma academia”.
A INDECISÃO
Conta o jovem atleta que “quando somos jovens (nessa época eu tinha 19 anos) normalmente a sagacidade guia a vida, pois somos imaturos e inexperientes para calcular os riscos. Mesmo diante disso, era impossível negar o medo que eu sentia por ter feito uma escolha em que o resultado futuro era extremamente imprevisível. A dificuldade era presente 24h por dia. Eu estendia o colchão sobre o tatame para dormir, tinha zero privacidade, pouca estrutura, muitas regras, muitos treinos, mas também existiam muitos sonhos envolvidos. Era uma inexplicável fusão entre intensidade e verdade e eu vivi naquela realidade por cinco anos.
RITMO DE TREINOS
Conforme o atleta afirma, “treinar é a sua rotina e o treinar exige não apenas o Jiu Jitsu em si, mas ter uma preparação física intensa e um cronograma de alimentação que auxiliam a minha saúde como um todo. Muitas vezes o meu treinamento acontece três vezes ao dia, intercalando preparação física, gi e no-gi, que são Jiu Jitsu com e sem kimono. Porém, os meus resultados em luta não significam apenas que eu treinei, mas que eu me dediquei ao meu físico e ao meu emocional, que também são fundamentais. Eu preciso estar bem para performar bem. Eu preciso me alimentar bem para obter os resultados que eu desejo e tudo o que eu faço hoje vem de uma sequência de escolhas que eu faço há anos. Eu não bebo álcool, porque eu acredito que a ingestão de bebidas alcoólicas não faz bem para o meu corpo e para o meu desenvolvimento como atleta. Da mesma forma, eu priorizo uma alimentação saudável sem açúcares, excesso de gorduras ou industrializados. Eu acredito que me alimentar bem é uma escolha de vida. Quando mudamos nossa mentalidade e passamos a tratar a boa alimentação como um hábito que escolhemos para nossa vida, eu acredito que nós conseguimos mudar muito daquilo que pensamos e acreditamos. Então a minha preparação é uma construção que se dá todos os dias”.
A FAMÍLIA
Afirmando que não vive em Santo Antônio desde os 19 anos, adianta o nosso campeão que com isso, lá se vão quase 10 anos morando “longe” da família. “Eu já vivo distante há bastante tempo e as opções foram me adaptar e aprender a viver distante. Desde o momento em que eu escolhi viver do Jiu Jitsu, eu viajo muito para lutar ou ministrar seminários, então eu já conheci muitos países e passei muito tempo sem estar com eles. No meio da pandemia, em 2021, eu escolhi me mudar para São Paulo para me desafiar. Mas eu não parei em São Paulo, porque eu quis melhorar ainda mais a minha performance e, para isso, eu fui para Austin, no Texas, em fevereiro deste ano, mas isso é uma outra história. A tecnologia auxilia que eu me comunique com quem está longe. O WhatsApp é uma ferramenta que aproxima muito as pessoas de forma geral e possibilita esses encontros. Quando eu coloquei as aspas antes ao me referir ao estar longe, é porque eu acredito que o estar longe é algo relativo. Eu converso com minha família e meus amigos, que também moram longe, quase que diariamente. Eu tenho a minha empresa no Brasil e negócios para realizar, então a internet é a minha aliada e eu acredito que esse seja um dos maiores benefícios que a tecnologia nos possibilitou. Mesmo estando longe fisicamente, nós estamos perto de certa forma. Tanto é que quando estamos juntos, parece que nunca estivemos longe. Então eu acredito que o estar “longe” seja mais um conceito”.
BRASIL E ESTADOS UNIDOS OS PREFERIDOS
Nicholas Meregali diz acreditar que Brasil e Estados Unidos sejam os países que mais popularizam o esporte, tanto pelo acesso, quanto pela realização de eventos. “Não posso afirmar com certeza quais outros países são os mais inclinados, porque o Jiu Jitsu está presente em quase todo o mundo e as pessoas, seja em Seoul, na Coréia do Sul ou em Helsinqui, na Finlândia, praticam o esporte de forma amadora e profissional. Então é um esporte bastante popularizado e que cresce e se profissionaliza cada dia mais”.
JOVENS LONGE DAS DROGAS
O campeão adianta que o Jiu Jitsu é um esporte muito democrático em que todas as pessoas, independente da idade, podem participar, uma vez que se assemelha muito ao xadrez. Para treinar as pessoas muitas vezes não precisam do uso da força, mas sim o peso do próprio oponente e os movimentos do outro. “É muito mais sobre inteligência e conhecimento corporal, do que força e brutalidade. E isso auxilia no desenvolvimento da autoconfiança, da inteligência emocional, da criação de uma rotina; influencia ainda na qualidade de vida e na saúde física do praticante. Eu acredito que qualquer esporte, mas não apenas o Jiu Jitsu, auxilia no combate às drogas. O Jiu Jitsu, por exemplo, canaliza a força vital do praticante e faz com que o usuário de drogas tenha mais consciência sobre o uso e entenda melhor os malefícios provocados ao próprio corpo. Eu acredito que o esporte tem a capacidade de auxiliar no processo de ressocialização, porém o trabalho de conscientização é muito mais psicológico e também é importante que consideremos não apenas as drogas ilícitas, mas sim as lícitas também”.
PRÓXIMOS COMPROMISSOS
A respeito dos próximos compromissos (Nicholas, se não está no ar, está sobre o tatame), disse acreditar que o maior compromisso será o ADCC, em setembro. “O ADCC é um evento de luta casada que acontecerá em Las Vegas e será o primeiro grande evento no-gi que eu lutarei. O Jiu Jitsu no-gi é o Jiu Jitsu sem kimono. Ele não deixa de ser o mesmo esporte, mas é tudo um pouco diferente e muito novo. Eu não treinava essa modalidade antes e eu vou precisar aplicar os movimentos e as técnicas de um jeito diferente, então eu estou bem ansioso para ver como eu vou me sair”.
MATANDO A SAUDADE…
Por fim, para matar a saudade da família e da cidade que sempre o acolheu, o campeão mundial absoluto de Jiu Jitsu diz:
“Agradeço à minha família, principalmente aos meus pais Mauro e Denise, porque sem eles e toda a educação e base cultural que eu tive em casa, eu não seria nada do que sou hoje. Ao meu irmão Matheus, que me apresentou ao esporte e à minha irmã Maura, que é quem trabalha comigo. Agradeço ainda ao sensei Jejeu e todo o time, ao Carlinhos e toda a equipe da Contart, às empresas que me ajudaram no início, em especial à Qualicoco que esteve comigo por três anos. Agradeço à Folha Patrulhense e todos aqueles que me acompanham em Santo Antônio da Patrulha. Muito obrigado!”
Colaborou: Maura Meregali