A advogada Ana Clara Maciel, que tem se debruçado incansavelmente sobre a questão relacionada com a ETE/Lagoa dos Barros, lança veemente defesa do corpo hídrico, considerado um verdadeiro santuário ecológico. Dividimos o seu depoimento em duas partes. A primeira, aqui está. A segunda estará na edição da semana que vem:
A Lagoa dos Barros é um dos mais belos e mais importantes patrimônios da região e está ameaçada. Está em risco de sofrer o maior desastre ecológico ocorrido no Litoral Norte, afetando o futuro abastecimento de água para consumo humano para o Município de Santo Antônio da Patrulha, ter o seu potencial turístico prejudicado (a lagoa reúne milhares de pessoas nos finais de semana no período de verão), e prejudicar também a economia do Estado do Rio Grande do Sul na produção de grãos.
À margem da Lagoa dos Barros existe o Parque Natural Municipal Manuel de Barros Pereira, conhecido como “Ilha da AGASA”, que é uma unidade de conservação de proteção integral, localizada no bioma da Mata Atlântica, criada há mais de 30 anos e está devidamente cadastrado no Sistema Estadual de Unidades de Conservação, e é uma região que faz parte da zona de amortecimento da Mata Atlântica. É importante registrar que a CORSAN e o município de Santo Antônio da Patrulha já firmaram contrato de ampliação do abastecimento de água para consumo humano tendo a Lagoa dos Barros como fonte. A Lagoa dos Barros é a única reserva de água potável que Santo Antônio da Patrulha possui, e abastecimento humano prevalece sobre qualquer outra atividade.
Também, é importante registrar que não há rivalidade entre os municípios de Santo Antônio da Patrulha e Osório, e nem somos contra a Estação de Tratamento de Esgoto (ETE). Todo município precisa e deve ter sua ETE, mas esta deve ter sua localização e local de destino dos efluentes definida após um estudo de impacto ambiental, o que não ocorreu. A ETE foi construída sem haver um estudo da Lagoa dos Barros e de seu entorno, por isso foi ajuizada a ação. O objeto da ação não discute se a ETE é boa ou não. Discute-se se o corpo hídrico lagoa dos barros comporta receber tal carga. Todos sabem que a Lagoa dos Barros é um corpo hídrico fechado e que é alimentada pela água das chuvas e as águas que descem dos morros localizados em seu entorno. Ela não tem outra fonte de alimentação. É importante ressaltar que em 2009, quando o Prof. Friedrich, da Universidade Estadual do Rio de Janeiro – UERJ, contratado à época pelo Departamento de Meio Ambiente da Assembleia Legislativa do Estado do RS, para analisar e dar seu parecer sobre a Lagoa dos Barros, naquela oportunidade, diante dos dados, das particularidades e características, por ser uma lagoa fechada, alertou que se a lagoa recebesse os dejetos tratados da ETE, em 8 a 10 anos a lagoa estaria morta.
A ETE funcionou de novembro de 2018 a início de 2020, com base numa decisão judicial que autorizava o seu funcionamento. Hoje, a decisão judicial está suspensa, pois após esse breve período de funcionamento da ETE, a Lagoa já apresentou resposta a carga de esgoto recebida. A resposta foi mais rápida do que imaginávamos e ficou na situação que todos sabemos – volume exacerbado de cianobactérias, em quantidade nunca vista na história da Lagoa dos Barros. Podem perguntar aos moradores mais antigos que conhecem a lagoa, nunca viram algo parecido. Diante de tal acidente ecológico a ETE-Osório foi fechada. No próprio processo judicial há um documento expedido pela GAT (Grupo de Apoio Técnico) do Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) que reconhece que a ETE provocou tal acidente. Há, também, um documento firmado pelo MP local manifestando que o processo fique parado até a juntada dos estudos da UERJ. A partir da reação rápida da Lagoa dos Barros pedindo socorro, não podemos mais dizer que há uma sentença que autoriza o funcionamento da ETE. Não podemos deixar de observar o sagrado Princípio da Prevenção e o Princípio da Precaução, in dubio pro ambiente. Assim, diante do acidente ambiental ocorrido, o Município de Santo Antônio da Patrulha contratou a UERJ para realizar um novo estudo sobre a Lagoa dos Barros. Tal estudo já poderia estar concluído, senão fosse a falta de disponibilidade de documentos/relatórios que a AEGEA/CORSAN, UFRGS e FEPAM não disponibilizam. Por quê? O que pensar? A intransigência existente vem única e exclusivamente por parte da própria AEGEA/CORSAN, UFRGS e FEPAM que omitem dados necessários para a conclusão dos estudos da UERJ.