Educação, coragem e oportunidades podem mudar a realidade das vítimas de violência doméstica

Evento Impacto Lilás proporcionou o debate sobre ações de enfrentamento à violência contra a mulher.

Priscila Milán

“A gente pode fazer tudo o que quiser, basta ter coragem”. “Eu me sentia no poço. Decidi trocar o ‘ç’ por dois ‘s’: Eu posso! Todas nós podemos!”. “Um problema sistêmico só pode ser solucionado com educação. Temos que educar para a equidade, a igualdade para as diferenças”. Essas foram frases ditas por mulheres que sofreram ou presenciaram situações de violência doméstica e hoje encorajam outras pessoas a romperem o ciclo que impede uma vida plena e feliz, interrompe sonhos, afeta não só a vítima, mas também sua família. O enfrentamento a qualquer tipo de violência contra a mulher foi o tema em destaque no evento Impacto Lilás, promovido na noite da última quarta-feira (24/8), no Sindicato do Comércio Varejista de Gravataí. A programação incluiu painéis, apresentações de projetos e leitura da carta aberta que será direcionada aos governos do Estado e Município com reivindicações de políticas públicas voltadas às mulheres vítimas de violência, agressores e público infantojuvenil. A realização foi do Sindilojas em parceria com o Movimento Gravataí Lilás, o Projeto Ester – Somos Todas Irmãs, a empresa Multbiz e outros profissionais engajados em ações de proteção e empoderamento feminino.

Na abertura do encontro, o presidente do Sindilojas Gravataí, José Rosa, destacou a importância de discutir o assunto e de cada um procurar olhar para si, refletindo sobre o comportamento e de que forma pode contribuir para um mundo melhor. O advogado e gestor imobiliário Jason Furquim de Almeida, um dos coordenadores do Gravataí Lilás, relatou como surgiu o movimento no município e compartilhou com os participantes dados de uma pesquisa desenvolvida pelo grupo, em 2020, com mais de 300 mulheres. Estatísticas apontam que 1/3 das mulheres no mundo sofrem violência. Entre as que foram ouvidas no levantamento, 6% admitiram ter sido vítimas e 69% não comunicaram a situação às autoridades (denúncias podem ser feitas pelo 180). Na amostragem, 35% das mulheres revelaram medo de morrer em decorrência de agressões. Outro aspecto preocupante é o número de mulheres que permanece em casa por falta de recursos para ir a outro lugar, o que evidencia a dependência financeira, fator que, em muitos casos, dificulta que a vítima se afaste do agressor. Neste cenário, o índice é de 81%.

Políticas públicas

A advogada e coordenadora do Movimento Gravataí Lilás Emilyn Figueiredo foi a responsável pela mediação do primeiro painel, que teve como convidadas a juíza Valéria Neves Willhelm, que é membro da Comissão de Violência Doméstica do Tribunal de Justiça do RS (CEVID), e a psicóloga que coordena a Casa Lilás, Analu Sônego. Na explanação, a magistrada destacou que os bons exemplos devem iniciar no ambiente familiar, visto que é comum uma criança que presencia atos de violência repetir o comportamento no futuro. Dra. Valéria ressaltou que está em tramitação na Assembleia Legislativa o projeto para instalação de uma Vara Especializada em Violência Doméstica. Dados trazidos pela palestrante comprovam que a situação é alarmante. Atualmente, há cerca de 8 mil processos envolvendo medidas protetivas na Comarca de Gravataí. Durante o diálogo também foram expostos indicadores fornecidos pela Secretaria da Segurança Pública com base em registros pelo Rio Grande do Sul: de janeiro a julho deste ano, 17.708 mulheres sofreram ameaças; 10.127 foram vítimas de lesão corporal e 1.257 de estupro. A juíza realçou ainda que as denúncias são essenciais para que sejam tomadas as medidas legais. “Todos nós temos a obrigação de denunciar os casos de violência doméstica, ajudar nossas mães, irmãs, vizinhas”, frisa.

Analu explicou ao público como é a atuação da Casa Lilás, que desde a fundação, em 2007, atendeu mais de 5.500 mulheres. Na instituição (Rua Heitor de Jesus, 232), o acolhimento é realizado de segunda a sexta-feira, das 8h às 17h, sendo que o acompanhamento psicossocial permite às vítimas que recebam as orientações para que possam fazer as próprias escolhas, mas compreendam que relacionamentos abusivos fazem mal não só a elas. Fortalecer o vínculo familiar também é um objetivo da equipe, que atende no momento, em torno de 80 crianças, filhos de mulheres acolhidas pela Casa Lilás. Conforme a psicóloga, dois projetos para reeducação de homens agressores estão em fase de organização na cidade. O propósito é evitar que eles voltem a praticar atos de violência.

Tipos de violência doméstica e familiar

No segundo painel, foram abordados temas relacionados a cinco tipos de violência: física, sexual, psicológica, patrimonial e moral. As convidadas para o bate-papo foram a psicóloga clínica Nathalia Rocha, que é pós-graduanda em Terapia Cognitivo-Comportamental, e a especialista em Desenvolvimento Humano e escritora Stela Maris. A psicóloga Nicole de Oliveira foi a mediadora. Stela contou ao público que presenciou situações de violência na própria família, porém salientou que a educação é fundamental para que o comportamento não seja repetido pelos filhos dos agressores e vítimas. Nathalia enfatizou como a violência psicológica, muitas vezes não percebida nem mesmo pelas vítimas, exige atenção e tempo para que a mulher compreenda que precisa se libertar de um relacionamento abusivo.

Empreendedorismo feminino como libertação

O último painel do Impacto Lilás reuniu a empresária Jéssica Vargas (mediadora), da Multbiz, a empreendedora, membro do Sindimulher, presidente do Rotary Club Gravataí Parque dos Anjos e do PTB Mulher de Gravataí, Zete Blehm, e a guarda municipal, bacharel em Direito, instrutora de armamento e tiro Cibele Bitelo. As convidadas falaram sobre suas trajetórias, incentivando às mulheres a buscarem independência financeira e acreditarem em suas capacidades para vencer os desafios.

Cibele descreveu sua experiência em um relacionamento abusivo, no qual o ex-marido demonstrava ciúme excessivo e não a incentivava a estudar e buscar qualificação profissional. Com dois filhos, ela decidiu se separar ao compreender que tinha outros sonhos e objetivos, e que seu potencial era muito maior do que o esposo queria que pensasse. Cibele concluiu a faculdade em 2011, dois anos após ingressar na Guarda Municipal. Zete começou a trabalhar cedo e, por isso, acabou abandonando os estudos. O tempo lhe mostrou que a formação era importante, por essa razão, anos depois, terminou o ensino médio e seguiu em busca de qualificação profissional. Formou-se em Gestão Pública, tendo conciliado os estudos no ensino superior com a criação dos filhos. A meta de se tornar independente financeiramente do esposo foi o que levou a integrante do Sindimulher a empreender. Com habilidade para vendas e atendimento ao público, a proprietária da Di Eliz abriu a primeira loja no ano 2000. Hoje, administra duas empresas.

Apresentação de projetos

Durante o evento no Sindilojas também foram apresentados os projetos Ester e Mulheres de Impacto. O primeiro iniciou como um banco de absorventes, idealizado por Mara Pacheco, todavia, na atualidade são desenvolvidas ações que vão além da doação. Mensalmente, são distribuídos aproximadamente 100 pacotes de absorventes para mulheres em situação de vulnerabilidade social. A iniciativa também contará, em breve, com uma oficina para confecção de absorventes ecológicos, que auxiliará na geração de renda desse público. A independência financeira foi destacada no encontro como uma alternativa para libertar as mulheres do ciclo de violência doméstica. O outro projeto é liderado pela sexóloga Raquel Sutel, autora do livro Seja uma mulher de impacto. A publicação visa o empoderamento feminino, com conteúdos acerca da autoconfiança, compreensão dos desejos e necessidade de enfrentar o machismo. A terapeuta sexual preside um grupo que ajuda mulheres com dicas para conquistar a independência financeira e emocional. Na programação, a palestrante Stela Maris também falou sobre o livro Mulheres em águas masculinas, inspirado no ofício de pescadoras.

Carta aberta

No final do evento desta quarta-feira, Jason Furquim de Almeida leu a carta aberta produzida pelo Movimento Gravataí Lilás. No documento, três solicitações foram feitas para implementação no município: a criação da Sala das Margaridas (espaço na Polícia Civil para enfrentamento à violência doméstica e familiar contra a mulher, sendo que os filhos das vítimas também são acolhidos); a criação de um Núcleo Especializado de Atendimento aos Homens Agressores; e a instituição de uma lei municipal para promoção de atividades preventivas à violência doméstica em escolas, com o intuito de que crianças e adolescentes sejam informados sobre a temática.

Rede de apoio

Várias instituições compõem a rede de apoio às vítimas de violência doméstica. Alguns exemplos:

– Casa Lilás: 0800-510-2468 / 3600-7720

– Brigada Militar (Patrulha Maria da Penha): 190

– 1ª DP: 3488-5733

– 2ª DP: 3490-2953

– DEAM: 3945-2712 / 3945-2711

– Guarda Municipal: 153

– Fórum: 3488-1756

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