O Museu Caldas Júnior de Santo Antônio da Patrulha convida a comunidade patrulhense e regional para prestigiar a nova exposição “A Noiva da Lagoa: um crime que virou lenda”, que será realizada em sua sede, de 6 de agosto a 5 de setembro. A mostra mergulha na memória de um dos episódios mais enigmáticos da história local, entrelaçando fatos reais e os elementos que, com o tempo, transformaram o caso em lenda popular.
Há meses o Museu vem trabalhando cuidadosamente na montagem da exposição, em um processo que teve início com uma visita ao Instituto-Geral de Perícias do Rio Grande do Sul (IGP/RS), no dia 2 de julho, em Porto Alegre. Na ocasião, foi feita a solicitação formal de empréstimo de itens e laudos técnicos relacionados ao crime, com o objetivo de enriquecer o acervo expositivo e proporcionar ao público uma abordagem mais precisa e documental do caso.
Outro passo importante foi a busca por familiares da jovem assassinada. A aproximação com a cunhada da vítima, Ingrid Emmer, só foi possível graças ao apoio do jornalista Joceli Lopes Roldão, amigo da família, que intermediou o contato de forma sensível e respeitosa. O encontro aconteceu no dia 14 de julho, no município de Torres.
A exposição acontecerá num mês em que Santo Antônio da Patrulha recebe turistas de todos os lugares, prestigiando a programação da FENACAN – Feira Nacional da Cana-de-Açúcar, Rapadura, Sonho e Arroz. Além disso, a mostra comemora o transcurso do 265º aniversário de povoamento da cidade, bem como recorda os 85 anos de falecimento de Maria Luiza Haussler.
“A exposição reunirá documentos, objetos de época, recortes de jornais, depoimentos e elementos artísticos, proporcionando uma experiência imersiva e reflexiva. É também uma forma de reconhecer que por trás da lenda, havia uma vida real – uma jovem chamada Maria Luiza Haussler (Lisinka), que, com 17 anos de idade à época, teve seus sonhos interrompidos. Um lembrete de o quanto é importante preservar as histórias, ainda que dolorosas, com respeito e empatia”, comentou Rafael Barcela, presidente do Museu Caldas Júnior.
Para o prefeito Rodrigo Massulo, prestes a completar 85 anos do fato, a história de Maria Luiza Haussler retorna ao debate público não apenas como lenda, mas como memória real de uma tragédia. “A exposição ‘A Noiva da Lagoa: um crime que virou lenda’ resgata esse episódio a partir de documentos, objetos, testemunhos e da participação da família da vítima – trazendo à tona reflexões sobre violência de gênero, memória e justiça histórica”, ressaltou Massulo.
Ingrid Emmer em Santo Antônio da Patrulha na abertura oficial da exposição
Um dos momentos marcantes da abertura será a presença de Ingrid Luciana Franetta Emmer, de 85 anos, cunhada da jovem assassinada – cuja história inspirou a lenda da Noiva da Lagoa. Sua participação no sábado, dia 16 de agosto, às 14 horas, trará um olhar sensível e humano sobre os impactos desse episódio, além de contribuir para a valorização da memória e da justiça histórica.
Ingrid foi casada com o irmão de Maria Luiza Haussler. Ela preserva objetos preciosos da época, incluindo cadernos, cartas e poemas escritos pela cunhada e pelo autor do crime, o jovem Heinz Werner João Schmeling – documentos que hoje são parte do legado histórico.
Natural da antiga Mährisch Schönberg (hoje na República Tcheca), ela viveu os horrores da Segunda Guerra Mundial. Chegou ao Brasil em 1947, após uma longa viagem de navio. A família enfrentou fome, destruição e grandes deslocamentos – Ingrid lembra que, criança, “vi muitas pessoas mortas” durante o conflito.
No Brasil, trabalhou como secretária da presidência da Siemens, em São Paulo e Porto Alegre, onde se aproximou da família Haussler e, posteriormente, se envolveu em causas sociais em Torres, cidade onde reside atualmente.
O caso Maria Luiza Haussler: o crime que virou lenda
O assassinato de Maria Luiza Haussler, ocorrido em 17 de agosto de 1940, é um dos crimes mais marcantes da história do Rio Grande do Sul. Com apenas 17 anos, a jovem – conhecida carinhosamente como Lisinka – foi morta por Heinz Werner João Schmeling, um rapaz que demonstrava interesse amoroso por ela. Maria Luiza havia recusado esse afeto, e o crime foi motivado pela rejeição.
Filha de imigrantes e membro de uma tradicional família local, Lisinka era uma jovem que gostava da escrita, de desenhar e pintar. Mantinha cadernos e diários, nos quais registrava suas reflexões e pensamentos. O autor do crime, por sua vez, demonstrava comportamento obsessivo, chegando a escrever poemas e mensagens que revelavam sua fixação por ela.
Heinz assassinou a jovem. Depois do crime, tentou tirar a própria vida, mas sobreviveu. Foi preso e condenado. A brutalidade e a motivação do crime – o desprezo a uma recusa amorosa – chocaram a comunidade, que acompanhou com atenção cada etapa do processo.
Com o passar dos anos, o episódio passou a alimentar o imaginário popular. Moradores começaram a relatar aparições de uma figura feminina vestida de branco às margens da lagoa. Assim nasceu a lenda da Noiva da Lagoa – embora Maria Luiza jamais tenha sido noiva. A imagem construída reflete mais o luto coletivo e a tentativa simbólica de explicar o inexplicável: o feminicídio de uma jovem inocente que ousou dizer “não”.
Museu grava episódio especial do projeto Resgatando Memórias com Ingrid Emmer
Além de participar da abertura da exposição, Ingrid Emmer gravou um episódio especial do projeto “Resgatando Memórias”, promovido pelo Museu. Em uma entrevista, mediada por Carla Cunha e Joceli Lopes Roldão, ela compartilha relatos marcantes de sua trajetória como sobrevivente da Segunda Guerra Mundial, além de revelar detalhes inéditos sobre o crime. O episódio, que será disponibilizado no dia 25 de agosto, às 20 horas, nas plataformas digitais da Prefeitura e Museu, representa um valioso registro histórico e afetivo.
“Ingrid é uma mulher de trajetória inspiradora. Sobrevivente de guerra, ao longo da vida combateu o feminicídio e lutou pelos direitos dos idosos. É Cidadã Honorária de Torres, onde fundou o Conselho Municipal do Idoso, sendo hoje Presidente de Honra. Seu depoimento une dor e resistência, memória e justiça”, revelou Barcela.