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Às vezes, trilhar um novo caminho depende de uma segunda chance

Atividades com foco na ressocialização dos apenados têm apresentado resultados positivos na unidade prisional de Gravataí, que busca parcerias para mais projetos

Priscila Milán

“Creio que todos têm uma segunda chance”, disse um jovem. “É difícil receber oportunidades quando se tem esse passado. A gente pode mudar daqui pra frente, mas o passado não muda. Não é fácil reconquistar a confiança das pessoas”, alegou o homem ao lado dele. “É difícil, mas a gente tem que tentar ser melhor a cada dia”, voltou a argumentar o rapaz. Esse diálogo ocorreu no Instituto Penal de Gravataí durante um dos encontros do programa Práticas sociais educativas não-escolares, voltado à ressocialização dos presos. A reintegração dos apenados à sociedade, de forma que eles não voltem a cometer crimes, é o principal objetivo do Conselho da Comunidade, cuja instituição está prevista na Lei de Execuções Penais. Todas as comarcas devem contar com este órgão, coordenado pela Vara de Execuções Criminais e constituído por representantes da sociedade civil organizada, assim como qualquer cidadão interessado em participar dos trabalhos.

Criado em 2019, o Conselho da Comunidade de Gravataí, presidido pela juíza Valéria Willhelm, reúne servidores do presídio, que é dirigido por Cláudio Luís do Val, e representantes de outras instituições engajadas no tratamento e retorno dos reeducandos à sociedade. A representante da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Fabiane Martins, explica que a legislação estabelece que sejam oferecidas “condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”. O suporte para a readaptação dos cumpridores de pena deve incluir o auxílio para o retorno ao convívio social e a preparação para o mercado de trabalho.

Fabiane, que é vice-presidente da OAB Gravataí, ressalta que a ajuda da sociedade é fundamental no processo de reeducação, vindo a somar com todo o esforço para que não haja reincidência criminal. “No município, o perfil é de presos menos perigosos, do semiaberto ou aberto, de indivíduos que estão no final do cumprimento da pena. Eles precisam de emprego, de estudo para não voltarem para o crime”, alega a advogada, exaltando que oportunidades podem transformar a vida dessas pessoas.

Retomada dos estudos

Segundo o diretor do presídio, a maioria dos 60 presos está na faixa etária dos 18 aos 35 anos e tem respondido positivamente às atividades propostas para a ressocialização. Mesmo durante a pandemia, programações on-line com viés motivacional foram desenvolvidas. O grupo é incentivado a estudar, visto que muitos estão afastados do ambiente escolar há muito tempo. Contudo, são dez vagas para a conclusão do ensino fundamental em uma escola municipal e a meta do Instituto Penal é ampliar esse número com ofertas para o ensino médio na rede estadual. Retomar os estudos tem ajudado os apenados a criarem novas perspectivas para o futuro. Há exemplos, inclusive, de alguns que planejam cursar o ensino superior. “Eles mudam o pensamento de que não podem”, comemora Cláudio Luís do Val.

Oportunidades de trabalho

A população carcerária tem algumas responsabilidades diárias, como manter a organização e limpeza das galerias, preparar as refeições e executar manutenções. Além disso, a equipe busca parcerias para a qualificação profissional dos presos e oportunidades no mercado de trabalho, considerando que muitos estão preocupados em ajudar financeiramente às famílias e seguir um novo caminho ao sair do presídio.

Do Val relata que conseguir emprego é uma dificuldade enfrentada por quem cumpre pena ou já está em liberdade, por isso há uma grande mobilização junto a órgãos públicos e empresas para obtenção de vagas. “Infelizmente, ainda existe preconceito quando eles batem em algumas portas à procura de emprego”, comenta.

O diretor aponta, todavia, que as empresas têm vantagens ao contratar mão de obra prisional. Nesses casos, a remuneração de cada trabalhador é de, no mínimo, 75% do salário mínimo. O trabalhador não se sujeita à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), isto é, o empregador fica isento de encargos como férias e Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS).

Vários presos trabalham em instituições de Gravataí e contribuem com a realização de serviços pela cidade. No entanto, também é grande a lista dos que esperam por uma oportunidade. Recentemente, a unidade prisional iniciou tratativas com a Prefeitura de Cachoeirinha para um convênio para disponibilidade de postos de trabalho.

Conforme a direção do instituto, outros projetos para a geração de renda são planejados. Uma das propostas é a fabricação de sabão com óleo de cozinha usado.

Possibilidades para remição da pena

Através de trabalho ou estudo, o condenado pode ter a pena reduzida. Em Gravataí, o projeto Remição pela Leitura, que foi regulamentado no Rio Grande do Sul pela Superintendência dos Serviços Penitenciários (Susepe), é desenvolvido há cerca de quatro meses e proporciona esse benefício aos apenados. Os interessados em participar, escolhem um livro no acervo do Instituto Penal e têm de 21 a 30 dias para entregar um resumo, sendo que podem expressar o que acharam do conteúdo através de texto ou desenho.

A cada relatório entregue e validado, são abatidos quatro dias da pena. “A remição pela leitura é uma das formas de trazermos dignidade e respeito ao preso, servindo como um forte auxílio na sua reinserção social. Posso afiançar que este trabalho está sendo feito com muito esmero pelo Conselho da Comunidade de Gravataí”, garante a juíza Valéria Willhelm.

O professor de Geografia Marcelo Biffi é voluntário no trabalho de incentivo à leitura, cujos encontros semanais também contam com a participação das psicólogas Amanda Castilho e Letícia Domingues Zappelini e, eventualmente, demais membros do Conselho da Comunidade. Além da produção dos resumos, os presos são convidados a dialogar sobre os livros e temas correlatos. A ideia é que possam expressar suas opiniões, ouvir os outros, refletir sobre os assuntos abordados e redescobrir o interesse pela leitura e estudos.

De acordo com os profissionais que coordenam os encontros, alguns ainda demonstram receio em falar frente aos demais, mas na medida em que a vantagem da remição tem sido compreendida, vem crescendo a participação.
Além do projeto Remição pela Leitura, o programa Práticas sociais educativas não-escolares dispõe de outras possibilidades para a redução da pena. A cada 12 horas de participação nas atividades propostas pelo professor e as psicólogas, por exemplo, é abatido um dia da pena. Com isso, os presos conversam acerca de diversas questões, como política, saúde, situações de abandono e violência, planos para a vida fora do cárcere.

Trabalho voluntário

Para Marcelo, o voluntariado na unidade prisional tem sido inspirador, em especial porque está ajudando os apenados a acreditarem mais no próprio potencial e na capacidade de escrever uma nova história daqui pra frente, com um cenário diferente do que os levou à privação da liberdade. “A motivação para este trabalho é ver a evolução deles. Para um professor, isso é gratificante”, diz. Sempre que possível, o Instituto Penal recebe palestrantes e outros voluntários interessados em contribuir com as ações para reinserção social. Colaboradores para atividades culturais, esportivas ou de qualificação profissional, dentro ou fora da instituição, também são bem-vindos.

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