Natural de Santo Antônio da Patrulha, mas residente há vários anos em Porto Alegre, a psicóloga Bruna Flem veio para dar apoio aos que foram duramente atingidos pela tragédia que atingiu milhares de gaúchos nos últimos dias.
Nesta série de duas reportagens com aquela profissional, o leitor saberá como está se professando o seu trabalho.
“Na verdade, apesar de residir fora há alguns anos, eu sou natural de Santo Antônio da Patrulha. Atualmente moro no Bairro Planalto da Zona Norte de Porto Alegre, bem próximo da região atingida no Bairro Sarandi. Meu bairro fica fora da área de risco, porém, os impactos da crise que se estabeleceu pelas enchentes nos bairros dos arredores impactou na ausência de abastecimento dos serviços básicos de água e energia elétrica”, afirma Bruna Flem ao ser indagada do porquê da escolha de Santo Antônio para exercer sua atividade voluntária junto aos que estão alojados em Portão I no Salão Comunitário ali existente. Com ela atuam neste trabalho sem custos, as psicólogas Janaína, Juliete e Natália.
No município de Alvorada, onde gerencia duas casas de acolhimento para portadores de transtornos mentais, já havia sido evacuada no sábado, uma delas, por ficar em área de risco de alagamento. “Realocamos todos os acolhidos em uma só casa, e reordenamos a equipe para um grupo de pacientes maior.
Somado a isto, os acessos à capital foram sendo fechados, restando no domingo (05), somente as vias da RS 118 via municípios de Alvorada e Viamão, totalmente congestionadas e com prioridade à passagem das equipes de resgate.
“Sozinha em casa, com meu esposo fora do Estado viajando a trabalho e, com receio de em algum momento se tornar inviável sair, decidi vir para a casa dos meus familiares em Santo Antônio da Patrulha para ficar em segurança.
Chegando aqui no município, através da mobilização pelas redes sociais, observei chamada para força tarefa, inclusive psicólogos voluntários, para a organização de mais um abrigo, sediado na localidade de Portão I, organizado pela iniciativa privada.
Realizei contato, e fui acolhida no grupo de psicólogas voluntárias que já havia se disponibilizado a dar suporte, iniciando minha atuação voluntária na terça-feira (07)”, explica Bruna.
O TRABALHO
O contato inicial com as pessoas atingidas é bastante complexo, pois a receptividade delas é muito subjetiva. “Estarmos ali dispostos para ajudar, de alguma forma, mas isso não significa que as pessoas irão reagir com abertura num primeiro momento.
As pessoas que estamos recebendo aqui no município são procedentes da região metropolitana, em geral de localidades onde se vive exposto a riscos em geral, e onde a união da comunidade não se apresenta da mesma forma como nas cidades menores. Muitas dessas pessoas vem de locais onde a realidade, a cultura, é a de cada um por si, então, de repente, se verem cercadas de pessoas dispostas a ajudar das mais diversas maneiras desperta, ainda que inconscientemente, um receio inicial. O que é compreensível”.
A psicóloga salienta que a maioria dessas pessoas nunca teve um acompanhamento psicológico, e isto contribui para uma resistência inicial, pois não é fácil falar de nossas vulnerabilidades.
E num momento como este, apesar do abalo emocional, as pessoas, em uma maioria expressiva, tendem a reprimir o sofrimento como uma forma de suportar a vivência traumática – explica, para prosseguir: “As defesas psíquicas se colocam a serviço de uma espécie de blindagem do sofrimento, o que implica em não expressar o que se está sentindo.
Há também que se considerar, num cenário como este, que há dois tipos de demandas maioritárias do ponto de vista da atuação do psicólogo: os primeiros socorros psicológicos, e o acolhimento dos sintomas de estresse pós-traumático”.
OS PRIMEIROS PASSOS
Naquilo que ela nomina como primeiros socorros psicológicos, é necessário delinear como a catástrofe aconteceu para o indivíduo em específico: região, acompanhamento das notícias, recebimentos dos alertas, como a área foi atingida, em que momento, com qual gravidade, em que momento saiu, de que forma, qual a composição familiar, com quem estava, se precisa encontrar alguém, se precisa estabelecer contato com alguém.
“Ou seja, é necessário construir, dentro do possível, uma linha do tempo dos acontecimentos para o indivíduo, identificando a forma de enfrentamento adotada ou não por ele, qual a intensidade do impacto emocional até o momento da abordagem psicológica, para que seja possível, a partir destes levantamentos, o psicólogo auxiliar nos encaminhamentos para as assistências necessárias à pessoa, orientando o que deve procurar, como e qual a importância, tanto do ponto de vista de assistência à saúde, como do ponto de vista de assistência social”.
PÓS-TRAUMÁTICO
Já naquilo que se entende por estresse pós-traumático, é necessário identificar a apresentação de sintomas, sua intensidade e gravidade. “Para isto, os psicólogos precisam estar capacitados e preparados para atuar com esta demanda, que se define pela resposta do nosso corpo a situações que nos colocam em risco de vida, e que não conseguimos processar, que podem afetar vítimas diretas e também pessoas que testemunharam. Os sintomas geralmente são ansiedade exacerbada, crise de pânico, desesperança, tristeza, hipervigilância, raiva, irritação, desconfiança, insônia, medo, pesadelos, pensamentos intrusivos, pensamentos suicidas, sensação de impotência e flashbacks do evento. Nestes casos, é fundamental a expertise do psicólogo na identificação e intervenção para minimizar ao máximo possível a chance de esse conjunto de sintomas de instalar como transtorno, o que chamamos de TEPT – Transtorno do Estresse Pós-Traumático”.
Na próxima edição você estará conhecendo outros aspectos relacionados com a atividade profissional da Psicóloga Bruna Flem que atua como voluntária no salão paroquial em Portão I junto aos desalojados pelas recentes enchentes.