Nesta sexta-feira (27), pouco depois das duas horas da madrugada, se completarão dez anos da tragédia da Boate Kiss, que causou a morte de 242 jovens que haviam ido àquele local, simplesmente para se divertirem, como a maioria da juventude faz nos finais de semana.
No entanto, eles nunca mais voltaram, perdendo a vida de forma trágica no incêndio que abalou o país e repercutiu no exterior.
Santo Antônio da Patrulha perdeu uma jovem na tragédia: Camila Massulo Ramos, que estava com o noivo naquele local. O rapaz se salvou porque pretedia ir ao banheiro, mas como estava repleto, foi para a rua fumar.
Naquela época a FOLHA PATRULHENSE publicou ampla reportagem a respeito da tragédia, especialmente abordando a presença daquela jovem que infelizmente perdeu a vida.
Na sua edição de 31 de janeiro de 2013, publicamos esta matéria que está em nossos arquivos:
“Patrulhense morre na tragédia da Boate Kiss em Santa Maria”
Falecimento de Camila Massulo Ramos comoveu comunidade de Santo Antônio da Patrulha
Seria mais uma festa jovem. Alegria, risadas, descontração. Mas a madrugada de 27 de janeiro foi fatal para 235 jovens. Inclusive para a patrulhense Camila Massulo Ramos, de 24 anos.
Filha de Donato Ramos e Eva Massulo, a jovem morava na região central do Estado em função do trabalho de seu noivo. Ela havia interrompido seus estudos e tinha a intenção de retomá-los em março próximo.
De acordo com o pai da jovem, Camila planejava voltar para Santo Antônio da Patrulha na sexta, dia 25, mas não conseguiu em função de seu trabalho – em uma farmácia de Santa Maria. “Ela ligou e disse que viria no final de semana seguinte em função de não ter conseguido se liberar neste”, contou Donato.
Camila e o companheiro Maiquel Olerich decidiram então ir à festa que ocorreria à noite, na Boate Kiss. Durante a balada, eles se separaram (ele foi ao banheiro, mas devido à grande fila Maiquel decidiu ir para a rua fumar). Ao retornar, ele foi surpreendido pelo incêndio, pela gritaria desesperada dos jovens e pela fumaça negra e tóxica que tomou conta do ambiente.
O corpo da jovem, que um dia sonhou ser comissária de bordo, foi transladado pelas equipes de socorro para o Centro Esportivo Municipal, sendo reconhecida por familiares, tendo chegado a SAP às duas e meia da madrugada de segunda. Centenas de pessoas foram levar sua solidariedade a Donato, a Eva, ao irmão Igor e aos demais parentes. Às 11h, o cortejo se dirigiu ao cemitério, onde, no nicho 607, sob uma emocionada salva de palmas, Camila foi sepultada.
O DESABAFO DO PAI
Sensibilizado com o conforto oferecido pela comunidade nos momentos que considerou como os mais difíceis de sua vida, o pai de Camila falou na terça-feira sobre a tragédia que se abateu sobre a sua família. Agradecendo toda a solidariedade recebida, Luiz Donato Ferreira Ramos afirmou que foi acordado por volta das seis horas da manhã pelo noivo de Camila, informando que ainda não havia conseguido localizá-la.
Donato afirma que, em seguida, acompanhado do filho Igor, do irmão Renato e do sobrinho Tiago, rumou para Santa Maria, onde chegou ao meio-dia.
“Procuramos em todos os hospitais, mas nada encontramos”. Àquela altura, o coração de pai já prenunciava o pior. E isso terminou se confirmando. Horas depois, eles circularam entre os corpos colocados dentro do Centro Esportivo. Passaram uma vez e não a encontraram. Em seguida, Tiago avistou o corpo de Camila. “Foi muito triste. Muito triste mesmo”, desabafou o pai, acrescentando que “ela estava normal aparentemente”.
ZERO HORA: Não menos emocionante foi a matéria publicada por Zero Hora de 28 de janeiro daquele ano, portanto, um dia após a tragédia:
Eis parte do texto:
Terror. Essa palavra serve para descrever o que ocorreu em Santa Maria a partir da noite de sábado para domingo, e que ainda não terminou, e que, para centenas de pessoas, não terminará jamais. 235 jovens (contagem de terça-feira, dia 29) morreram em um incêndio que destruiu a boate Kiss, no centro da cidade. Eram, quase todos, estudantes de diversos cursos da Universidade Federal. Até o meio da madrugada, estavam festejando a vida, rindo, dançando e se divertindo. Horas depois, quando o sol se ergueu sobre a cidade, jaziam no chão do ginásio municipal, o Farrezão, como se fossem vítimas de alguma guerra terrível.
Quem esteve no interior desse ginásio nunca esquecerá o que viu. Não poderá esquecer. As ruas do entorno foram bloqueadas pela polícia. Populares silenciosos se aglomeravam atrás dos cordões de isolamento. Só os familiares das vítimas podiam passar. Eram encaminhados para o primeiro prédio do ginásio, sentavam-se nas arquibancadas e esperavam. Pelo que esperavam aqueles pais e mães? Esperavam que o nome de seus filhos fosse anunciado pelo sistema de som. Então, se erguiam trêmulos dos bancos de pedra e eram encaminhados por funcionários para o prédio ao lado, para proceder à identificação dos corpos.
E ali, no prédio ao lado, uma grande quadra de futebol sete, nesse prédio habitava o pesadelo. Mais de duzentos corpos estavam deitados de costas, lado a lado, formando corredores macabros que se estendiam de uma ponta a outra da quadra. Alguns estavam queimados e muito machucados, alguns ainda manchados de sangue, vários deles com as faces enegrecidas, mas quase nenhum carbonizado. Morreram de asfixia. Por causa da fumaça, não do fogo.
Os rapazes foram colocados na primeira metade da quadra, as moças na segunda. Todos sobre uma lona preta. As meninas foram pudicamente cobertas até a cintura por outra lona, já que muitas vestiam minissaias. As carteiras, documentos e celulares foram postos sobre o peito de seus donos. Durante boa parte da manhã, esses celulares tocavam sem parar. Os funcionários circulavam por entre os corpos e não sabiam o que fazer. Deviam atender? Deviam falar com os pais desesperados que queriam notícias dos filhos?
A identificação dos homens foi mais fácil, porque a maioria deles levava documentos nos bolsos das calças. As mulheres carregavam os documentos nas bolsas, obviamente esquecidas na confusão que se iniciou às 2h30min. Um dos integrantes da banda Gurizada Fandangueira, que se apresentava no palco situado no fundo da boate, acendeu um sinalizador para incrementar o show. Uma faísca do sinalizador saltou para o teto de isopor e espuma, que, de imediato, pegou fogo”.
MINISTÉRIO PÚBLICO
O Ministério Público do Rio Grande do Sul publicou esta semana a seguinte Carta Aberta:
“Às vésperas da data que marca os 10 anos da tragédia da boate Kiss, em Santa Maria, em carta aberta à sociedade, o Ministério Público do Rio Grande do Sul (MPRS) manifesta solidariedade aos sobreviventes e familiares das vítimas do incêndio, reiterando seu compromisso institucional de atuar para a condenação definitiva e prisão dos culpados diretos pelos 242 homicídios e 636 tentativas de homicídio.
Todas as informações sobre a atuação da instituição neste caso, não só na ação penal, mas em todas as demais movidas pelo MPRS, podem ser conferidas em um hotsite desenvolvido pelo Gabinete de Comunicação e disponibilizado para acesso no site. Vale destacar que é possível conferir, neste mesmo local, informações acerca de todos os processos vinculados ao fato. Além dos quatro denunciados por homicídio, outras 47 pessoas foram alvo de ações do Ministério Público, na medida de suas responsabilidades, nas áreas criminal e cível, na Justiça comum e militar.”
LEMBRANÇAS ETERNAS
A imagem da tragédia continua na mente de todos quantos souberam do ocorrido pelos Meios de Comunicação.
Mas na memória dos familiares, jamais se apagará a lembrança daqueles jovens que saíram de casa para momentos de diversão e infelizmente retornaram para um último adeus.